Diálogo Inter-religioso
Por Tony Vilhena1
Seguindo seu estilo poético, Rubem Alves abre sua obra O suspiro dos oprimidos2 com as seguintes palavras sobre religião:
Religião é tapeçaria que a esperança constrói com palavras./ E sobre estas redes as pessoas se deitam./ É. Deitam-se sobre palavras amarradas umas nas outras. / Como é que as palavras se amarram? / É simples. Com o desejo. / Só que, às vezes, as redes de amor viram mortalhas de medo. / Redes que podem falar de vida e podem falar de morte./ E tudo se faz com as palavras e o desejo
Religião é rede. Metáfora perfeita! Ainda mais Em Belém do Pará, onde é clássica a cena de pessoas se embalando numa tarde qualquer de chuva. A rede também é sempre presente nas embarcações “prenhas” de gente que singram os caudalosos rios da região. Guardam o sono dos “curumins” nas aldeias mais distantes. Ou estão esticadas entre as lonas pretas que abrigam as famílias camponesas que entre uma marcha e outra na luta pela terra param para um breve repouso. Com seu colorido, diversidade, praticidade e incontestável utilidade as redes realmente podem expressar poeticamente a pluralidade e importância do universo religioso.
No Fórum Social Mundial 2009, ocorrido em Belém, foi garantido um espaço, a partir da articulação e reivindicação das representações religiosas, chamado de Território Inter-religioso. Neste Território, coordenado pelo Comitê Intrer-religioso do Pará, uma rede tomava conta do centro contendo um globo terrestre no seu interior. Eram as religiões demonstrando, unidas, seu compromisso de cuidar do planeta.
Mas como diz Rubem Alves. O que foi tecido para ser proteção, resguardo e descanso pode se tornar “mortalhas de medo”, uma ameaça. Até mesmo puir, não oferecendo mais as condições necessárias para uma deitada segura e tranqüila. Revertendo o aconchego em incômodo.
Hoje, na maioria dos conflitos que temos no mundo, o pano de fundo da questão religiosa ainda figura no cenário. Seja nas guerras ou nas relações inter-pessoais os ataques e violências levados a cabo por motivação religiosa ainda permanecem ferindo, ofendendo e até matando em nome de Deus.
O prefácio da edição de aniversário dos vinte e cinco anos da Declaração para Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e Discriminação com Base em Religião ou Crença, diz que passados os anos da proclamação da citada Declaração “ainda observamos diversas situações de conflito – guerras, atos de terrorismo, exclusão e outras manifestações de intolerância – justificados por motivos religiosos, conforme pode ser visto diariamente nos meios de comunicação”3.
As regiões, de forma geral, que vivem em discursos, pregações e canções falando “do” e “com” o transcendente, ainda têm sérias dificuldades de aproximação e interação entre elas próprias. Embora constatemos uma pluralidade no campo religioso brasileiro, ainda são muito tímidas as iniciativas de compor ações ordenadas das religiões em prol da sociedade. Pois a pluralidade, entendida como presença de várias religiões, nem sempre consegue converte-se em pluralismo religioso, ou seja, capacidade de reconhecimento mútuo entre as religiões para estabelecerem relações de respeito, podendo avançar mais adiante para realização de trabalhos em parceria, derrubando os muros das hostilidades, superando as propostas ingênuas da tolerância passiva e estabelecendo um diálogo sincero e construtivo.
O diálogo inter-religioso é sustentado por dois conceitos fundamentais: flexibilidade e dialogicidade. Sendo a flexibilidade a busca das religiões em responder à altura todas as demandas das pessoas que a procuram. Já e dialogicidade tem haver com que velocidade a religião se posiciona diante das mudanças sociais em curso. Com a flexibilidade e a dialogicidade a religião responde interna e externamente aos “dilemas” mais atuais que lhe são impostos pelo curso da sociedade4.
O diálogo inter-religioso, desta forma, além de um apelo ético pela pacificação de um mundo em convulsão, é um ordenamento às religiões que pretendem fugir do obscurantismo e dos fundamentalismos ainda vigorantes (“só meu Deus salva”, “a verdade é minha”, etc), fortalecendo, assim, com coerência, os fios de suas redes de crenças, símbolos e práticas.
Diversidade religiosa, algumas palavras...
Abaixo, apresentamos textos retirados da Cartilha Diversidade Religiosa e Direitos Humanos, organizada pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, em 2004.
Em cada indivíduo, em cada povo, em cada cultura, em cada credo, existe algo que é relevante para os demais, por mais diferentes que sejam entre si. Enquanto cada grupo pretender ser o dono exclusivo da verdade, o ideal da fraternidade universal permanecerá inatingível.
Judaísmo
A regra de ouro consiste em sermos amigos do mundo e em considerarmos toda a família humana como uma só família. Quem faz distinção entre os fiéis da própria e os de outra, deseduca os membros da sua religião e abre caminho para o abandono, a irreligião.
Mahatma Gandhi (Hindu)
A beleza do nosso país reside justamente na diversidade cultural e religiosa de seu povo. Temos que quebrar as barreiras que nos impedem de dialogar com aqueles e aquelas que pensam e que agem de forma diferente, mas que têm o mesmo objetivo: a valorização da vida!
Igreja Presbiteriana Independente
Se eles se inclinam à Paz, inclina-te também a ela e encomenda-te a Deus.
Maomé (Islamismo)
Toda crença é respeitável, quando sincera e conducente à prática do bem.
Allan Kardec (Espiritismo)
A meta última da religião é o amor. Todas as religiões e crenças são conseqüentemente válidas, e sua aceitação tem que ser baseada na liberdade e numa opção consciente e espontânea. De outra forma, a religião não teria como meta o amor.
Hinduísmo
O sol que veio à Terra para todos iluminar / não tem bonito e nem feio / ele ilumina todos iguais.
Santo Daime
Nenhum segmento religioso pode coagir alguém pela força ou ameaça a aceitar ou mudar de crença religiosa. Todos os seguimentos religiosos devem promover uma cultura de Paz e ordem, trazendo benefícios à população em geral, especificamente aos menos favorecidos.
Igreja Pentecostal O Brasil para Cristo
Cada ser humano possui o direito de escolher a sua própria maneira de servir o sagrado e deve fazê-lo sem perseguições, com liberdade.
Encantaria Cigana
Existem muitos povos, de muitas raças, falando várias línguas. Mas, para eles, só existe um sol, uma lua e uma mãe terra. Somos parte um do outro, pela vontade do Grande Espírito.
Cosmovisão Indígena
Todo ser humano tem direito à liberdade de pesquisa da verdade e, dentro dos limites da ordem moral e do bem comum, à liberdade na manifestação e difusão do pensamento. Pertence igualmente aos direitos da pessoa a liberdade de prestar culto a Deus, de acordo com os retos ditames da própria consciência.
Encíclica Papal Pacem In Terris
Previnir a intolerância é assumir que nenhuma verdade é única. É reconhecer que o outro tem livre arbítrio. Esse reconhecimento pressupõe garantir-lhe o direito de pensar, de crer, de amar, de doar, de rezar, de ser gente religiosa. Gente que exercita a missão sagrada de reconhecer no outro a imagem e semelhança de Deus, Olorum ou Javé.
Religiões Afro-Brasileiras
1 Cientista Social; Coordenadordo Conselho Amazônico de Igrejas Cristãs (CAIC)
3 Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República e Ágere Cooperação Advocacy. Declaração para Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e Discriminação com Base em Religião ou Crença. 2007.
4 SANCHEZ, Wagner Lopes. Pluralismo religioso: as religiões no mundo atual. São Paulo/; Paulinas, 2005.
Nenhum comentário:
Postar um comentário