terça-feira, 16 de novembro de 2010

Reverendo anglicano Fernando Ponçadilha reflete sobre ecumenismo no aniversário de 14 anos do CAIC

No dia 16 de novembro de 1996, na quadra de esportes do Colégio Kennedy, escola da então Paróquia Anglicana de Santa Maria, aconteceu a celebração ecumênica de fundação do CAIC. Hoje, dia que comemoramos 14 anos de caminhada, temos a alegria de compartilhar o artigo do professor, filósofo e reverendo anglicano Fernado Ponçadilha que esteve presente naquele dia especial.


Os Cíclos do Ecumenismo No Pará: Uma Trajetória de Beleza e Incerteza

Por Fernando Ponçadilha
Filósofo e Reverendo da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil



Foto de http://daa.ieab.org.br/
A primeira quadra do movimento ecumênico remonta os anos setenta e oitenta. No rastro dos acontecimentos desenvolveu-se uma atitude comum entre alguns cristãos cheios de sonhos e esperanças.
Tudo começou por meio de iniciativas bem singelas. Entre elas, a instituição do bacharelado em TEOLOGIA, oferecido na UFPA pelo reconhecido empenho também do pró-reitor e depois vice-reitor Ápio Campos, com o endosso da arquidiocese de Belém que não possuía na época um centro de formação adequado na capital.
Tal fato é inédito porque pela primeira vez é oferecido vestibular público para um curso eminentemente confessional, inclusive para egressos da vida religiosa no contato cotidiano direto com os sujeitos da academia secular.
Não levou tanto tempo para que esse espaço público e laico, portanto, fora do controle como deveria da religião e processador de saberes, debates e da opinião refletida, despertasse a desconfiança e a suspeita dos poderes da época, sendo interditado pela governança e desautorizado pela religião, e/ou desabilitado por ambas.
Acontece que a experiência do curso de TEOLOGIA na Universidade Federal do Pará produzira uma geração de formados no perfil pastoral que aquele tempo precisava: PREPARADA, SOLIDÁRIA e INOVADORA. É claro que não era a maioria. Mas esses irmãos procediam em sua maioria da Igreja Católica – embora já se percebesse elementos egressos de outras procedências, como no caso singular da jovem pastora de antanho, Marga Rothe, da Igreja Luterana.
Faz parte desse sinal embrionário do ecumenismo nascente o ocorrido na passagem da década de setenta para a década de oitenta, quando um acontecimento inusitado marcou a história do campus universitário definitivamente. Ou seja, no primeiro semestre de 1980, o acadêmico César Moraes Leite é assassinado dentro de sala de aula no pavilhão B do setorial básico.
Uma bala de revólver ou pistola veio da arma de um policial federal que assistia aula na mesma sala da vítima. Tudo levou a crer tratar-se de fatalidade, até por conta da perícia da época ter constatado que a arma caíra e detonara. Entretanto, fazia-se a pergunta nos quatro cantos do campus: Por que armado em sala de aula????
O episódio foi o bastante para desencadear um protesto nos maiores decibéis possíveis contra o regime militar e a reitoria da UFPA. Passeatas, concentrações, atos públicos, reuniões no vadião, assembléias, caravanas de estudantes de sala em sala, tentativa de invasão da reitoria e a culminância de tudo isso num CULTO ECUMÊNICO no ginásio de esportes da universidade.
Talvez tenha sido essa a primeira iniciativa propriamente ecumênica que se tem registrado no memorial do movimento, porque lá se reuniram dirigentes da Igreja católica (Pe. Savino Mombelli, assessor da Pastoral Universitária e professor do curso de teologia), Marga Rothe da Igreja Luterana, Rui Guilherme da ABU (ligado à Igreja Batista) e outros.O certo é que pessoas sensíveis com o que aconteceu ligadas à ABU – Aliança Bíblica Universitária – por conta da participação no evento - foram expulsas posteriormente das denominações que faziam parte.
Este episódio ainda estava recente quando na luta pela terra são presos posseiros e padres na região do Araguaia acusados de preparar uma emboscada em 1981. A Ditadura queria emparedar as lideranças camponesas e deflagrou essa operação através do GETAT e da Polícia Federal por meio de um processo-farsa visando desmoralizar os sindicalistas e ganhar a afeição da Igreja Católica para desautorizar a Pastoral da Terra. O tiro saiu pela culatra. Isso uniu o movimento contra a ditadura e mobilizou a opinião pública.
Vigílias nas escadarias do IPASEP em frente ao prédio da PF na Manoel Barata eram fartas e ininterruptas, revezavam-se as visitas na PF e depois no quartel da Aeronáutica. Um comandante disse para o Bispo de Cametá: “O senhor vais visitar comunistas? – Ele calmamente disse. “eles estão presos por causa da verdade”. E o que é a verdade pro senhor? – Dom Chaves respondeu: “Um dia Pilatos fez essa pergunta pra Jesus e não obteve resposta certamente porque não tinha merecimento”. Isso foi dito em depoimento dentro do templo lotado da igreja do Perpétuo Socorro, em cerimônia organizada pelo MLPA – Movimento de Libertação dos Presos do Araguaia – a segunda experiência comum de cristãos reunidos por uma causa.
Nos diversos ativos que se seguiram até a libertação dos presos do Araguaia era já percebida a contribuição de alguns irmãos evangélicos, sobretudo luteranos e depois os metodistas, estes em coro bonito de irmãs do coral, ofereceram um louvor aos presos em frente à Igreja das Mercês no dia em que a ditadura cercou a Igreja da Trindade com mais de 500 pessoas sitiadas, com parte do povo fugindo para o largo das mercês.
O primeiro ciclo dessa honrosa história encerra sua maturação com a criação da UNIPOP dentro da Igreja Anglicana no final da década de oitenta e início da de noventa. Afinal, algumas condições objetivas já estavam postas, a redemocratização já estava acontecendo, já existia um quadro de lideranças preparadas, mas essa década é cheia de tribulações. Lideranças camponesas como Gringo, Benezinho, Quintino (que teve o corpo recolhido, funeral e ato religioso encaminhado pelo movimento ecumênico),Paulo Fonteles, João Batista, Gabriel Pimenta e outros, tombam pelas balas da intolerância e do desmando.
A década de noventa começa com a organização da caminhada contra a pena de morte conduzida pelo pastor presbiteriano Paulo Roberto da IPU ao longo da Almirante Barroso, reunindo um bom público a partir dos estudantes das escolas circundantes, e com as  reuniões ecumênicas de estudo da bíblia toda segunda feira em comunidades  diferentes.Teremos também nesse tempo a preparação para a ECO-92, para a 1ª Jornada Ecumênica em Mendes-RJ, em 1994, e a triunfal criação do CAIC – Conselho Amazônico de Igrejas Cristãs, em 16 de novembro de 1996, na quadra da Escola Kennedy, sendo testemunhas aproximadamente 400 pessoas procedentes de diversas igrejas, até mesmo as que não acompanham o movimento, em cerimônia dirigida pelo arcebispo Vicente Zico, o pastor luterano Dick Osselman, o reverendo anglicano Francisco de Assis, o representante da IPU, e o representante da Igreja Metodista. Uma cerimônia concorrida que contou com a presença até do Rabino da Sinagoga central. Tornaram-se incessantes as oficinas, assessorias, cultos ecumênicos e formação permanente na perspectiva ecumênica depois da criação do CAIC, incluindo a consolidação do curso ecumênico de TEOLOGIA, com a criação da ACER no início da 1ª década do século XXI.
Hoje, percebe-se que a caminhada ecumênica foi construída em cima de propósitos bem determinados no tempo e no espaço. Relativo a isso é bom lembrar que as respostas foram surgindo de acordo com as demandas que os contextos apresentavam e as pessoas oferecendo contribuições sempre pela causa comum. Aquela relação de pertença ao coletivo ecumênico era por questões bem evangélicas: solidarismo, justiça, partilha, espiritualidade, estudo da palavra e outros. Aflorava mais a cooperação do que as contradições. Isso demonstra que o ecumenismo não é uma nova estrutura, mas uma atitude. E uma atitude de tolerância dinâmica, por isso é movimento, é instituinte, jamais pode pretender ser instituição. Se tal acontecer é a negação do ecumenismo. Essa atitude tem um perfil, mas não pode ter hegemonias e nem prevalências. É uma verdade carregada em potes de barro, portanto, frágil, que a qualquer momento pode sofrer ameaça.
O ecumenismo não só aqui, onde talvez se organizou a mais expressiva experiência, mas em diversos lugares, passa por momentos difíceis de incertezas quanto ao caráter e ao rumo, porque tudo o que se fez em comum durante trinta anos foi para atender apelos concretos do seu tempo e hoje o tempo é outro. Necessitamos de uma nova hermenêutica bíblico-evangélica para entender os desafios desse tempo e sair para uma atitude concreta de diálogo. Esse tempo é um tempo da imprecisão, do sentimento, da emoção, da intuição, das não prevalências e dos não modelos.
Quiçá possa o Espírito de Deus nos guiar pelos caminhos da humildade e da escuta para o novo tempo que se avizinha faceiro dentro da mais expressiva diversidade nesse universo de transformações que o mundo religioso e social está passando, encontrando recepção adequada em nosso meio para que almas sensíveis e sábias saibam dialogar com esse novo paradigma que está surgindo do diálogo temporal e espiritual entre os modelos niceno-constantinoplano, reformado e renovado do cristianismo, que parece ser o novo horizonte a ser seguido pela maioria das igrejas cristãs. É nesse contraditório que o movimento ecumênico prosseguirá tendo um grande papel catalisador.

Um comentário:

  1. O que esperamos é que um dia, e não está muito longe, que todos tenhamos a consciência de que temos em comum um mesmo Deus e Senhor. Que nossas convergências são em numero maior que as divergencias e que possamos viver em harmonia com as diferenças.

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